O GEÓGRAFO, A GEOGRAFIA E O NOVO MAPA DO MUNDO.

Neste texto proponho uma reflexão sobre a construção de um campo de conhecimento das ciências modernas que, ao mesmo tempo, se constitui na construção de um sujeito cognitivo, de uma disciplina escolar e de uma imagem e narrativa do mundo. Não se trata apenas de uma profissão, de um campo de atuação profissional, mas do campo do conhecimento científico disciplinar a que esta profissão está ligada, que é a Geografia.
Nas escolas, na maioria das vezes, a Geografia continua a ser uma disciplina decorativa, que desperta pouco interesse nos estudantes, como já identificava Ives Lacoste (1993) na década de 1970. Por isso, entre os temas de interesse geográfico continua atual a questão: o que faz um geógrafo? No duplo sentido: do seu fazer, ofício, trabalho e prática, e também da sua formação, da sua identidade, das condições e possibilidades de constituição do sujeito denominado geógrafo.
Ao adentrarmos na Geografia todos nós entramos na tradição de uma das mais importantes e complexas ciência e disciplina escolar moderna. Uma longa tradição, que vem se constituindo desde os países centrais da Europa ocidental do final do século XVIII, em particular Alemanha e França (Moraes, 1989; 2007; 2011; Moreira, 2008; 2009; Tonini, 2006; Santos, 2009). Alguns recuam ainda mais a gênese da Geografia Moderna, identificando precursores ainda nos Gregos (Sodré, 1987; Claval, 2007), em geral, numa perspectiva evolucionista e eurocêntrica. Esta tradição do conhecimento geográfico tem, portanto, um rastro longo, de séculos, alguns lócus definidos de emergência e propagação e toda uma plêiade de autores sobre os quais repousam autoridades diversas.
Este texto se apresenta organizado em alguns eixos nos quais buscamos em cada um desdobrar uma ideia a partir de uma metáfora ou de uma figura. No primeiro eixo tratamos da emergência moderna, melhor dizendo, moderno-colonial (Mignolo, 2005) de um sujeito: o geógrafo. E a metáfora que cabe para este, aliás, uma metáfora e também uma característica epistêmica da geografia: é do olhar viajante. A formação de um sujeito cognitivo que se designará pelo nome de geógrafo e de um campo de conhecimento denominado geografia está relacionada com a constituição de um novo olhar viajante pelos intelectuais da Europa ocidental desde o século XV (Besse, 2006), e que no século XIX ganha um status definido pela sua vinculação aos dispositivos de governo territorial dos Estados modernos coloniais/imperiais europeus. E ainda hoje a formação do geógrafo atualiza esta tradição de um olhar viajante moderno-colonial/imperial (Mignolo, 2010; 2005a). Ainda que também, por certos desvios, se constitua um “olhar” geográfico nativo, ou seja, um fazer geográfico “descolonial” (Castro-Gómez e Grosfoguel, 2007; Mignolo, 2010), desde a perspectiva de olhares dos subalternizados, com a emergência epistêmica e política de novos sujeitos sociais, de outros modos de olhar, tatear, agir, pensar e dizer geográficos, não mais apenas situados no lócus de enunciação da racionalidade e universalidade eurocêntrica.
No segundo eixo apresentamos algumas ideias sobre a Geografia enquanto um campo de conhecimento científico moderno-colonial e uma disciplina escolar. Para tanto utilizaremos a metáfora da narrativa e da imagem de mundo que esta constitui. A geografia é uma maneira de contar uma história do mundo e construir nesta narrativa uma imagem do mundo – imago mundi (Gomes, 2011). É uma narrativa capitalista moderno-colonial[1], seja enquanto ciência do Estado, ciência e disciplina acadêmica ou disciplina escolar (Lacoste, 1993). A metáfora que traduz este campo científico de conhecimento e esta disciplina escolar é da narrativa dos “outros” lugares e dos lugares dos “outros”: a Geografia conta histórias que nos dão uma imagem da alteridade e pluralidade sócio-espacial do mundo.
Por isso, no terceiro eixo, conclui-se com a metáfora do novo mapa do mundo, ou seja, da configuração do mundo atual e de como o geógrafo e a Geografia participam deste, na construção e re-construção deste mapa. Utilizaremos algumas imagens pictóricas e literárias neste caso: do “olho” e a do “ovo geopolítico” – o mundo como um ovo geopolítico, remetendo a uma famosa pintura de Salvador Dali. A ideia é que neste novo mapa do mundo, um mundo da “globalidade imperial” e da “colonialidade global” - expressões usadas pelo antropólogo boliviano Arturo Escobar (2005) e pelo sociólogo peruano Anibal Quijano (2010) -, há numerosas rachaduras no ovo geopolítico do mundo, assim, uma nova espécie de mapa do mundo conforma-se, quebrando e desafiando a narrativa e a imagem do mundo desenhada pela Geografia e pelo olhar viajante moderno-colonial do geógrafo.

1. O olhar viajante: o geógrafo como sujeito cognitivo moderno-colonial.
Sem a colonização moderna, iniciada com a conquista da América, a partir de 1492, não haveria a Geografia moderna e possivelmente não existiriam geógrafos. Hoje, esta vinculação da Geografia com a colonização é mais criticamente explicitada no processo colonizador tardio, chamado de neocolonialismo ou imperialismo, do século XIX, empreendido pelos países industrializados capitalistas da Europa Ocidental. Justamente no momento em que campos de conhecimentos científicos com a Antropologia e a Geografia ganharam reconhecimento acadêmico, estatal e social na Europa.
Mas, o sujeito cognitivo moderno denominado geógrafo, precede à sistematização e institucionalização da Geografia, de certo modo, pois, este constitui um desdobramento da constituição do próprio sujeito moderno. O geógrafo começa a se constituir enquanto sujeito cognitivo moderno a partir do processo de colonização moderna, desde o século XV, tanto em função de transformações nas estruturas econômicas, políticas, sociais, culturais e epistêmicas intra-europeias, quanto pelas transformações que nesta implicaram a conquista da América particularmente (Quijano, 2005; Todorov, 1993; Dussel, 2005) e a colonização de diferentes lugares e povos do mundo. A partir desse momento um novo olhar geográfico, um “olhar viajante” passa a configurar um novo sujeito de conhecimento: este sujeito vai ser depois denominado geógrafo, porque pelo olhar viajante inventa um conhecimento, uma imagem, uma representação do mundo enquanto “natureza” e “paisagem” (Besse, 2006)[2]. A paisagem é uma forma de domesticar o olhar e do olhar domar/dominar o mundo (natureza). A paisagem é o produto do olhar viajante moderno-colonial a partir do qual o geógrafo pode dizer e fazer ver o mundo – não como mais uma representação do mundo, mas como a representação verdadeira do mundo, objetiva, racional e universal.
O olhar viajante moderno-colonial foi produzido pelas práticas, pelas palavras e obras de vários intelectuais, principalmente literatos, pintores, escultores, arquitetos, militares, administradores dos Estados coloniais, autoridades religiosas, cientistas, viajantes, exploradores, cartógrafos etc. Todos estes diversos sujeitos reconstroem o sentido da viagem: a viagem passa a ser um exercício de poder sobre os outros (Massey, 2008), um empreendimento de descoberta de si mesmo e do mundo, ou um conhecimento de si pela descoberta do outro (Besse, 2006). A viagem é uma forma de se apropriar do mundo pelo olhar (Todorov, 1993; Sousa Santos, 2006). É aqui que começa a se engendrar o sujeito de conhecimento que fará emergir o geógrafo: o olhar viajante recolhe, reúne e faz circular em toda Europa uma grande quantidade de informações e imaginações sobre lugares visitados, vistos e explorados pelo olhar em forma de textos, mapas, desenhos, pinturas etc. Todo esse Arquivo (Derrida, 2001) colonial de representações do olhar viajante do mundo se traduzirá em uma nova forma de “saber espacial” e em um domínio epistêmico específico: o capitalista, moderno, colonial, ocidental, patriarcal, racista e eurocêntrico[3].
Quem viaja tem o poder ou exerce um poder sobre os lugares pelos quais viaja. O poder do olhar de quem se desloca e “descobre”. O poder dizer ou fazer ver, como verdade, o visto, o vivido, o observado, o contemplado. Assim, o viajante exerce sobre os outros o poder do olhar que inquiri, investiga, esquadrinha, deslinda, desvela, traz à tona o que as aparências encobrem, o que as superfícies ocultam. O olhar viajante descobre o oculto e tem o poder de dizer o que é, como é e por que o “outro” é assim como ele diz ser. Em particular o outro enquanto sujeito colonizado, espaço colonizado, cultura colonizada, linguagem colonizada, saber colonizado. O olhar viajante foi e continua a ser um dispositivo de saber/poder moderno-colonial que coloniza as diferenças do mundo, dos povos, dos lugares, das culturas, das linguagens, dos saberes, das práticas, das experiências produzindo um campo de visibilidade e dizibilidade das diferenças espaciais. Esse olhar viajante do geógrafo diz respeito ao que Mignolo (2005) chamou de “epistemologia de promontório”.
Na sociedade atual o geógrafo constitui-se ainda este sujeito de olhar viajante moderno-colonial. Mas, tem se deslocado e desviados deste lugar privilegiado de enunciação de várias maneiras e por muitas vias. O geógrafo hoje tem redefinido sensivelmente o seu olhar, recusando o “privilégio epistêmico” (Sousa Santos, 2002) que se autoconferiu o olhar moderno-colonial das ciências ocidentais. Deslocando-se para a perspectiva da subalternidade, das diferenças coloniais, para o lócus de enunciação da descolonialidade (Mignolo, 2003; 2010). O geógrafo se envolve na luta pela representação legítima do mundo (Bourdieu, 2003) recusando o olhar viajante e constituindo uma multiplicidade de olhares, um cruzamento potencialmente transformador de olhares desde a perspectiva dos de baixo, dos dominados, oprimidos, subalternizados.
“Uma aula de Geografia – escreveu o poeta Carlos Drummond de Andrade – deveria ser sempre dada em viagem”. Poderíamos dizer: deveria ser sempre feita em viagem. A Geografia é a ciência das viagens. Se você não consegue viajar – nem que seja dentro de si mesmo, na sua imaginação e dentro do seu próprio lugar -, você nunca será um geógrafo, você nunca chegará a compreender geograficamente o mundo em que vivemos. O geógrafo ao viajar constrói um conhecimento sobre o mundo, ou, como na canção “Livros” escreveu Caetano Veloso: pode lançar mundos no mundo.

2. A narrativa geográfica: ciência escalar e disciplina escolar.
Antes mesmo de ter assegurado o seu lugar como Ciência nas Universidades europeias a Geografia se constitui como uma disciplina escolar na Alemanha do século XIX e depois da Guerra Franco-Prussiana, pela região da Alsácia-Lourena, da qual a França sai derrotada, a Geografia passa a compor o currículo escolar e universitário da França (Tonini, 2006). Pois, umas das avaliações que os chefes militares e agentes de Estado francês fizeram sobre as razões da derrota da França nesta Guerra foi o fato de os soldados prussianos conhecerem geografia e os franceses não. O que reforça o famoso epíteto que Yves Lacoste (1993) – geógrafo francês – escolheu para seu livro: “A Geografia: isto serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra”. A Geografia ainda serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra, ainda que seja uma guerra por “outros meios”.
Nenhuma disciplina escolar tem a pretensão e apresenta a possibilidade de falar do mundo na sua totalidade ou globalidade (Claval, 2010). Só a Geografia na escola nos dá esta imagem de quase todos os lugares do mundo e todos os fenômenos que os constituem, desde os naturais até os sociais e culturais, além dos geopolíticos. Nenhuma disciplina cumpre, como a Geografia, este papel de falar para as crianças, jovens e adultos na escola e na Universidade sobre o que é e como é o mundo em que vivemos. Hoje existe a televisão e a internet, além de revistas e jornais de grande circulação, que nos proporcionam “informações” sobre tudo que é lugar do mundo, com imagens coloridas, com detalhes e dados diversos, atrativos e interativos. Mas, mesmo assim, esta disponibilidade de informações sobre o mundo não é igualmente acessível a todos, e não substitui a função escolar da Geografia e do(a) professor(a) de Geografia. Pois, a Geografia não cabe apenas mostrar como o mundo é e funciona, mas também explicar porque o mundo é assim tal como o vemos, em sua complexidade e diversidade sócio-espacial, e porque funciona dessa maneira que funciona.
A Geografia é uma narrativa moderno-colonial do mundo. Há muitas maneiras de narrar o mundo. Só que a narrativa da Geografia é extremamente pretensiosa. Sua especificidade, desde a Antiguidade europeia ocidental, está na sua pretensão à totalidade, o geógrafo “se dá por objetivo a totalidade da superfície da terra. Seu ponto de vista é global” (Claval, 2010: 79). A Geografia pretende construir uma imagem do mundo “realista”, ou seja, apresentar-nos o mundo tal como ele é em todas as suas dimensões e aspectos. Podemos traçar brevemente algumas características desta narrativa do mundo que é a Geografia e da imagem de mundo – imago mundi – que esta constrói[4].
A. A Geografia é uma narrativa eurocêntrica moderno-colonial do mundo. Moderna porque está fundada na perspectiva científica da modernidade, como autogerada dentro do espaço-tempo europeu, que professa uma única racionalidade, uma única forma de se chegar à verdade, a objetividade, a neutralidade e a universalidade, ocultando o lugar epistêmico a partir do qual constrói sua imagem do mundo: a capitalista, ocidental, patriarcal, europeia e estadunidense. A geografia apaga na sua narrativa seu lócus de enunciação, conferindo a si mesma um privilégio epistêmico sobre todas as demais narrativas do mundo. Neste sentido, é também colonial/imperial, pois esconde as heranças coloniais que constituem o espaço geográfico do sistema-mundo capitalista; apaga e silencia as diferenças coloniais/imperiais desse sistema-mundo.
O nosso mundo contemporâneo foi construído e é mantido sobre os pilares da modernidade e da colonialidade. E a Geografia é uma narrativa que constrói uma imagem do mundo que tem como lócus a modernidade e, geralmente, apaga a colonialidade – heranças do colonialismo/imperialismo moderno – como constitutiva da modernidade. A Geografia mesmo quando fala criticamente da modernização – denunciando seus impactos sociais e ambientais, seus propósitos capitalistas de dominação e exploração, sua forma avassaladora e destrutiva das culturas e tradições – mesmo assim, a Geografia não deixa de se colocar a favor da modernidade, no lugar da modernidade, ao lado da modernização. Por que a Geografia fala tanto de modernização e desenvolvimento? A crítica da modernização da Geografia é ainda uma crítica moderna. Vinculada aos ideais eurocêntricos da modernidade.
B. A Geografia é uma narrativa do presente, do mundo presente. Uma narrativa presentificada e presentecentrada, que opera uma profunda presentificação do mundo. Daí sua forte carga informativa, quase jornalística. A narrativa geográfica volta-se para o presente, para o tempo presente, construindo determinada atualidade ou contemporaneidade do mundo e, às vezes, apaga o passado, despreza o passado, reduz o passado e a história ao já realizado, e, acima de tudo, comprime o futuro. A narrativa de mundo da Geografia estica o presente demasiadamente e comprime o futuro exageradamente, contribuindo para o “desperdício da experiência” do mundo (Sousa Santos, 2006). É impressionante como a narrativa dominante na Geografia valoriza a “novidade”, as transformações recentes do mundo - daí sua pesada carga informativa – em detrimento da desvalorização do passado – ou da redução da historicidade do espaço a um tempo sucessivo e cronológico. Ainda que atualmente, de muitas formas, o conhecimento Geográfico se afaste dessa linha de narrativa presentificadora, informativa e fundada no “fundamentalismo do novo” (Porto-Gonçalves, 2002), que reforça a produção da não-contemporaneidade dos “outros”, nas escolas a Geografia é identificada enquanto uma disciplina que trata do presente. O pior é que a narrativa escolar da Geografia descreve e explica muito mal o presente, este presente fugidio, que escapa aceleradamente, que se turbilhona, irrompe em múltiplas, radicais e confusas transformações. Ainda que o lugar comum seja afirmar a inseparabilidade da História e da Geografia, a História ainda concebe a Geografia como mera ciência de localização, e a Geografia ainda traduz cronologicamente a heterogeneidade histórico-estrutural (QUIJANO, 2010), a heterárquica historicidade do espaço geográfico do mundo (Casto-Gómez, 2007; Casto-Gómez e Grosfoguel, 2007).
C. A Geografia é uma narrativa que separa e articula a natureza e a sociedade, volta-se para o desvendamento e questionamento dessas relações. É uma ciência que não pode separar a Natureza da Sociedade, nem privilegiar um ou outro polo analítico. Mesmo que os movimentos de renovação da Geografia no Brasil, após a década de 1970, tenham permitido que a Geografia fosse constituída enquanto uma das ciências sociais, o que é inegável (Porto-Gonçalves, 2006), esta, por ter como objeto o espaço socialmente construído (Santos, 2008), não pode ignorar nem deixar de enfatizar a dinâmica e as dimensões próprias da Natureza, as quais constituem o espaço geográfico. Isto tem implicado ainda hoje uma dicotomia e, de certo modo, uma ambivalência perturbadora à narrativa Geográfica, traduzida nos campos de conhecimento internos da Geografia Física e da Geografia Humana – cada um subdivido em áreas específicas (Moreira, 2008). Ou seja, alguns geógrafos se colocam mais num desses campos ou algumas correntes do conhecimento geográfico tem posto ênfase ou na Natureza, ou na Sociedade ou nas Relações – por exemplo, reduzidas às relações de produção econômica (Moraes, 2007).
Esta fragmentação dicotômica interna da narrativa geográfica, que data desde as primeiras décadas do século XX (Moreira, 2008), se reproduz nas divisões dos departamentos de Geografia nas Universidades, nos currículos, nos livros didáticos, nas pesquisas etc. No entanto, mesmo os geógrafos que se fecham na Geografia Física não podem ignorar que estão produzindo um conhecimento social sobre a “Natureza”, ou seja, uma narrativa socialmente situada do que consideram ser a Natureza; e também os geógrafos que se colocam do lado da Geografia Humana não podem ignorar a Natureza em suas narrativas da sociedade, nem que a Natureza possui dinâmicas próprias, independentes das ações humanas e, muitas vezes, impossíveis de serem por estas controladas e, até mesmo, previstas (Porto-Gonçalves, 2006).
D. A Geografia é uma narrativa escalar, que estabelece um jogo de escalas, que constrói escalas variadas de análise e interpretação do mundo e realiza sempre interpolação entre escalas, ou narra as articulações que existem entre fatos, fenômenos, processos, eventos, ações e práticas de escalas diversas, de várias amplitudes e significados (Haesbaert, 2002; Moreira, 2008a). A Geografia é uma narrativa que viaja nas escalas, é preciso viajar nas escalas para se poder narrar o mundo geograficamente. A escala não é apenas uma ferramenta ou dispositivo cartográfico. É também um dispositivo narrativo da Geografia. Até o currículo da Geografia - do programa de Geografia para o Vestibular e ao currículo do Ensino Fundamental e Médio, materializado nos programas e livros didáticos de Geografia – é organizado em escalas: o local, o regional, o nacional, o continental e o mundial.
Narrar a Geografia do mundo é uma questão de narrar escalas. O importante é saber que a Geografia não apenas narra as escalas que “naturalmente” existem no mundo, sua narrativa constitui estas escalas, constrói estas escalas, que são construtos sociais e políticos. E os fenômenos, sujeitos e acontecimentos geográficos não mantém entre si uma relação hierárquica escalar. A imagem de mundo que a narrativa geográfica constrói para nós é fundamentalmente escalar. Ficar preso ou restrito a uma única escala não é fazer Geografia. O que conta são as articulações entre as escalas, é neste “entre-lugar” das escalas, nas suas conexões heterárquicas, no que se passa, no que se transforma e se transporta, flui e reflui de uma escala a outra que está a força e versatilidade da narrativa Geográfica. Mas, enquanto um dispositivo próprio da narrativa geográfica do mundo, a escala é uma forma eficaz de apagar ou da visibilidade a determinados espaços, saberes, sujeitos, problemas e lugares.
E. A Geografia é uma narrativa dos movimentos do mundo. A Geografia como ciência e como disciplina escolar se preocupa em narrar os fluxos, as circulações, as dinâmicas, as relações, os processos, a mobilidade, os deslocamentos, os movimentos, as lutas, conflitos, as ações, as práticas, as conexões etc. Movimentos de ideias, coisas, produtos, pessoas, técnicas, conhecimentos etc., tudo isso entra na narrativa geográfica (Santos, 1997). A imagem do mundo construída pela Geografia é uma imagem de mundo em movimento e de um mundo de movimentos. A Geografia procura explicar os sistemas complexos de movimentos do mundo, que constituem as tramas do espaço geográfico do mundo atual. Particularmente a geografia faz o elogio e, às vezes, a crítica do movimento, dos deslocamentos, da aceleração contemporânea moderna, da velocidade... 
F. A Geografia pretende ser uma narrativa crítica e transformadora do mundo. Pretende ser esta narrativa que prima pela crítica como uma condição de todo conhecimento geográfico e uma narrativa que procura possibilitar e estimular aos sujeitos agirem transformadoramente, oferecendo uma interpretação e compreensão do mundo que permita aos sujeitos transformar o espaço geográfico produzido socialmente. A Geografia não é uma ciência aplicada, mas desenvolveu ferramentas técnicas e aportes teórico-metodológicos utilizados ou passíveis ser utilizados nas ações e práticas sociais de ordenação, organização e transformação do espaço. Em todo caso, sempre devemos nos perguntar diante de uma narrativa geográfica: onde está a crítica? Como este saber geográfico potencializa mudanças socioespaciais efetivas e significativas? Não importa apenas à Geografia compreender o espaço social, o que importa é transformá-lo, poderíamos dizer, parafraseando Marx, nas teses sobre Feuerbach. Mas, esse sentido explicitamente político ou essa finalidade do conhecimento geográfico exige uma maior reflexão do que constitui um conhecimento “crítico” e o sentido dessa “transformação” a que se propõe ser um contributo. Sentido moderno e eurocêntrico da emancipação, libertação e mudança social.
G. A narrativa geográfica, por fim, constrói a imagem de um mundo como um espaço socialmente construído ao longo da história. Pelos menos, na atualidade, esta perspectiva lefebvreana do espaço enquanto produto, condição e meio de re-produção social se mostra generalizada e predominante nas narrativas geográfica, diante de outras perspectivas (Carlos, 1992). E penso, particularmente, que a figura narrativa – ou se preferirem – o conceito, a ideia, de produção do espaço – é o que narra a Geografia – contém uma virtualidade importante para a construção geográfica de uma imagem do mundo mais crítica, historicamente elaborada, potencialmente transformadora e descolonial. Mas, é preciso ainda quebrar o monopólio que a narrativa marxista e economicista exercem sobre estas figuras ou dispositivos da “crítica” e da “produção”, principais figuras da interpretação geográfica do mundo. Ou seja, penso que seja preciso situar mais apropriadamente o peso epistêmico que assume nessa perspectiva marxista da produção do espaço o trabalho, a técnica e o Estado. Há nesta perspectiva de produção no espaço arraigado um forte eurocentrismo que permanece inquestionável em seus fundamentos epistêmicos. Trata-se de uma forma de narrar as relações das sociedades com a natureza, através da ideia de produção do espaço, que constrói ainda uma imagem eurocêntrica desse processo sócio-histórico.

3. O Ovo Geopolítico: um novo mapa do mundo.
O olhar viajante do geógrafo, a partir da maneira como a ciência e a disciplina escolar da Geografia constrói, com sua narrativa, uma imagem do mundo, elabora esta imagem de forma cartográfica, ou seja, desenha um mapa do mundo e o mundo como um mapa “geopolítico”. Por isso, vamos concluir com algumas palavras sobre a metáfora do “ovo geopolítico” como novo mapa do mundo. O poeta paraense Max Martins (2001) escreveu um poema chamado “Um olho novo vê do ovo”, com o qual podemos nos aproximar dessa metáfora do mundo enquanto um ovo geopolítico. Vamos nos deter em alguns trechos do poema. O poema começa assim:
“se
        fora do foco
        do ovo    o olho
                  do ovo

é cego

fora dos fogos
do olho     o ovo
           do olho

é oco”.

O que Marx Martins enuncia e anuncia nesse poema é a relação entre ovo e olho – o “olho do ovo” é cego, se estiver fora do “foco do ovo”, mas também o “ovo do olho” é oco, se estiver fora dos fogos do olho. Fogos indicam a luz, a luminosidade que é necessária para ver, mas também energia, paixão do olhar. Digamos que este ovo é o mundo, e digamos que este olho é o olhar viajante do geógrafo. A geografia se coloca então, neste novo mapa do mundo, neste entrecruzamento entre o olho do ovo – o centro do mundo ou a visão do mundo – e o ovo do olho – o centro do olho ou o mundo no centro da visão/olho. O mundo é ovo. O conhecimento geográfico do mundo é o olho. A geografia, como ovo do olho, é o olho do ovo do mundo. A questão, então, colocada para o olhar geográfico é: “como/ do fundo do olho/ extirpar o vago/ escuro/ e ser o ovo vendo?”, como Max Martins indaga no poema. A Geografia teve e tem a pretensão “científica” de extirpar, do fundo do olho (conhecimento), o vago escuro e ser o ovo (o mundo) vendo.
Esta questão permanece ainda atual para a Geografia. O ovo, assim, a qual o olho do geógrafo se volta, é por natureza geopolítico. Podemos agora voltar-nos para o quadro do famoso pintor surrealista Salvador Dali, de 1945, chamado “A criança geopolítica observa o nascimento do novo homem”. Não pretendemos explorar detalhadamente os significados e contexto desse quadro nem muito menos apresentar uma leitura original. Apenas propomos que este, em diálogo com o poema de Max Martins, figura o novo mapa do mundo como um ovo geopolítico, em relação ao qual o olho da Geografia se coloca, e é chamado a se tornar “um olho novo [que] vê do ovo” geopolítico do mundo. A pintura é geograficamente interessante em muitos aspectos.



Figura 1: A criança geopolítica observa o nascimento do novo homem. Salvador Dali – 1945.

Podemos observar que os continentes estão desenhados/colados como em relevo no ovo-Terra – é como se o ovo fosse o mundo, o mundo um ovo, no meio do qual através de uma rachadura num esforço violento começa a nascer o “novo homem”, contemplado por uma mulher negra (a folha de parreira cobrindo seu sexo nos remete às figurações de Eva), de costas para o ovo-mundo e apontando para este, como a mostrar para a criança, que está agarrada em suas duas pernas. Ambas, a mulher e a criança são negras. O ovo do mundo está descoberto, como se acabassem – quem? o que? – de descobri-lo. Um pano flutua sobre este como se tivesse sendo ainda içado por mão ou linha invisível. O mundo-ovo foi desvendado ao olhar da “criança geopolítica”, uma criança africana (?), com sua mãe, ambos nus e fora do ovo-mundo. Pela rachadura, pela qual o “novo homem” faz força para sair – e do qual vê-se apenas um braço para fora da abertura do ovo-mundo e uma parte lateral do abdômen – escorre uma gota de sangue vermelha. O homem novo nasce rasgando o solo da América do Norte. Nasceria o novo homem dos Estados Unidos?
Se nos atermos nos detalhes dos continentes, rugosos e terrosos, que estão sobre a superfície do ovo-mundo veremos que estão descolando-se e como que escorrendo, por mal colados, ou porque dão a impressão de estar derretendo mesmo. A América do Sul e a África em particular, que se destacam nesse mapa do ovo-mundo. Claro que todo um contexto fala nesse quadro, grita dele as expectativas de nascimento de um novo mundo após a Segunda Guerra entre as nações Imperialistas, arrogantemente chamada, de Mundial.
O novo mapa do mundo se desenha ou se configura com estas placas pastosas continentais do quadro de Dali mal coladas ou descolando-se do ovo-mundo, um ovo fraturado e sangrando, pelos espasmos violentos com os quais o novo homem força seu nascimento, rasgando o mundo ao meio, de dentro da América do Norte. E a criança “geopolítica” como que temerosa, espantada, protegendo-se atrás das pernas da mãe, observa este espetáculo. Hoje, mas do que nunca, o mundo (ovo) é nos dado a observar (o olho) como um espetáculo pela Mídia e pela Geografia: espetáculo do contínuo nascimento do novo, nascimento do novo homem do ovo-mundo. Mas do que nunca o mapa do mundo se tornar instável ao ponto de os continentes não se seguram neste, pelos menos os continentes da periferia do sistema-mundo moderno-colonial.
O novo mapa do mundo é o mapa de um ovo geopolítico fraturado pelos conflitos, pelas contradições e pelas ameaças de catástrofes planetárias ambientais. O cenário em que o ovo geopolítico é colocado por Dali é árido, deserto, montanhoso, apresentado numa vasta perspectiva desoladora. O que começa a nascer desse ovo-mundo não é um novo homem – cujo rosto não vemos -, mas um futuro indeterminado e previsivelmente caótico. Dos Estados Unidos, este império planetário sobre todo império, nasce este novo homem. E às margens desse mundo, fora do ovo geopolítico, a criança africana vê o ovo do mundo. Que criança é o geógrafo? O olhar do geógrafo sobre o ovo geopolítico no qual se desenha o novo mapa do mundo deve ser o olhar da criança geopolítica e da mulher africana esquelética?
Podemos considerar que nesta nossa contemporaneidade, mas do que nunca, a Geografia tem uma importante tarefa: “repensar a nossa tarefa de pensar o mundo”, como escrevia Hilda Hirslt. Pois, se considerarmos que Geo-Graphia significa, como propõe o geógrafo Carlos Walter Porto-Gonçalves (2006), a grafia, a escrita da terra – é preciso aprender a ler a Terra escrita. Este verbo – grafar a terra, escrever na Terra ou a Terra – da Geografia também nos convoca a ler, ler o ovo (mundo) e o olho (saber) de um outro modo, como nos interpela Max Martins: “para lê-los/ cortar a língua-linha do discurso-homem/ e seu novelo”. Para ler o ovo e o olho (o mundo e conhecimento) a Geografia precisa cortar essa linha do discurso-mundo eurocêntrico e seu novelo moderno-colonial.
Mas, também podemos cambiar o sentido não apenas da palavra grafia – escrita – como também da palavra Geo, que designa a Terra. Na verdade, se fôssemos fiéis aos gregos, de onde vem a palavra Geografia, deveríamos também mudar Geo por Géia ou Gaia – a deusa grega – um dos Titãs que representa a Terra. Mas Gaia também significa a “alegre sabedoria”. Então, Geografia também significa a escrita (grafia) da alegre sabedoria (Gaia). Uma Gaia Ciência, para usar a expressão de Friedrich Nietzsche.
O novo mapa do mundo desenha-se neste ovo geopolítico pintado por Dali, nesta relação ovo e olho problematizada pelo poema de Max Martins. Deste modo é preciso, como Porto-Gonçalves, quebrar a palavra Geografia, recuperando seu sentido ativo – transformando-a em verbo – de escrita da Terra -, uma escrita de alegre sabedoria, se cambiarmos também a palavra Geo, remetendo-a ao seu sentido originário de Géia ou Gaia. Desse modo, a Gaia Ciência que é a Geografia pode nos ajudar a ler de outro modo este novo mapa geopolítico do mundo, pela perspectiva dos povos que foram colonizados, pela perspectiva da mulher e da criança geopolíticas negras, como expõe em seu quadro Dali.
A Geografia tem muito a oferecer no sentido da compreensão do mundo, desse nosso mundo. De tal modo que mesmo com poemas e pinturas, assim como com metáforas e conceitos, podemos ler geograficamente este mundo de outro modo. Modificando o nosso olhar viajante de geógrafos para laçarmos mundos no mundo.

Referências Bibliográficas
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[1] Besse (2006, p. 82) afirma que “a geografia deve ser considerada como fundamental para toda questão da modernidade” e, acrescentamos, da sua face oculta: a colonialidade (Mignolo, 2010).
[2] A geografia apresenta-se como um exercício do olhar, através do qual um espaço pode ser cartografado (representado figurativamente ou descrito por palavras), sendo que este ir ao encontro da paisagem do geógrafo demanda viajar: “o saber geográfico é a expressão das aventuras de um olhar viajante” (Besse, 2006, p. 82). Ver e viajar são os modos pelos quais a geografia, nesse contexto, se aproxima da paisagem: “O dispositivo visual que se desdobrar na frequentação da paisagem possui um caráter fundador para o saber geográfico clássico” (Besse, 2006, p. 77, grifo do autor).
[3] “Os primeiros passos para a sistematização da geografia foram dados com a intenção de construir um campo de conhecimento com a finalidade de descrever os grupos humanos e seus lugares. Esse conhecimento foi buscado, inicialmente, nos relatos das aventuras dos exploradores, nas narrativas dos viajantes, nas relações entre comerciantes, nos romances dos escritores, nas investidas dos historiadores” (Tonini, 2006: 15). Mas, penso que a colonização não apenas constitui fonte de informações para constituição do campo de conhecimento da geografia moderna, mas uma condição epistemológica, política e geográfica (pois funda um novo espaço, um espaço mundial e um novo imaginário do mundo, o imaginário moderno-colonial).
[4] As formulações a seguir, em grande parte, são devedoras particularmente de ideais construídas por e com meu amigo geógrafo cametaense, Dr. Valter do Carmo Cruz, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF/Niterói-RJ).